Advogado por formação, Marcelo Cherto tem escrito uma história de destaque no ambiente de negócios do Brasil. Nos anos 1980, foi um dos maiores responsáveis pela criação e implementação do modelo de franchising no País. Tanto sucesso possibilitou que atendesse direta e indiretamente mais de 500 marcas, muitas entre as maiores e mais importantes do mercado, trazendo sempre crescimento e novos negócios.
Palestrante em eventos realizados no Brasil, EUA, México, Argentina e Japão, Cherto é autor ou coautor de 9 livros e de mais de 2.000 artigos publicados no Brasil e no exterior, além de integrante do Conselho Consultivo Mundial da Endeavor Global e, claro, acadêmico da Abramark.
Confira as respostas às nossas cinco perguntas dessa semana.
Abramark – Todo o ambiente de franchising foi bastante impactado no Brasil (e no mundo) pela pandemia. Mas parece que o setor vem reagindo muito bem. Existem modelos ou nichos de franquias que aparentemente tiveram uma velocidade e impulso maiores?
MC – Na verdade, todos os ambientes de negócios foram afetados pela pandemia, no mundo inteiro. Alguns, positivamente. A maioria, negativamente. Afinal, tivemos sucessivos lockdowns, que obrigaram a maior parte do varejo a fechar suas portas. Porém, muitos franqueadores foram capazes de reagir com uma velocidade e uma efetividade impressionantes, identificando e implantando canais de venda alternativos com uma agilidade assombrosa.
Apenas para citar um exemplo, acompanhei mais ou menos de perto o caso de uma empresa franqueadora cujo canal, até ser decretado o primeiro lockdown, eram suas lojas franqueadas. Pois em menos de 10 dias essa empresa foi capaz de pôr no ar todo um sistema de e-commerce, integrado com as franquias via web e WhatsApp, que permitiu que seus franqueados continuassem vendendo, muito embora 100% das lojas estivessem com suas portas fechadas.
Naturalmente, as franquias que já estavam mais habituadas a trabalhar num ambiente digital, notadamente aquelas para as quais o delivery já representava uma parcela significativa do faturamento, de forma geral foram mais rápidas no processo de se adaptar e acabaram sofrendo bem menos.
Abramark – Temos visto novos players surgirem pós-pandemia com rápido crescimento/expansão não apenas no digital, mas também com lojas físicas. Em seu entendimento, o modelo de franquia segue como uma das principais alternativas, ou surgiram novas opções?
MC – Não há dúvida de que o modelo de franquia segue como uma das principais alternativas para a ocupação do mercado com pontos físicos de venda e de interação com os consumidores. Não é sem motivo que o número de novas franquias continua em alta. Me refiro tanto a novas unidades de redes já existentes, como a novas marcas e novos tipos de franquias que surgem todos os dias.
Durante a pandemia, houve quem dissesse que “agora as lojas físicas morrerão de vez”. Não morreram. Aliás, estão mais fortes do que nunca. E continuarão fortes, enquanto nós, seres humanos, continuarmos sendo como somos. Enquanto continuarmos sendo animais altamente sociais, que precisam do contato direto e pessoal com outros seres humanos.
Dito isso, é importante constatar que o papel, ou melhor, os papéis do ponto de venda físico mudaram. Uma loja, uma oficina, uma escola, uma clínica, um restaurante, não pode mais ser visto como um mero local de venda e entrega de um produto ou serviço. Tem que ser muito mais do que isso. Precisa ser um local capaz de gerar, para o consumidor, experiências impactantes e memoráveis, bem como oportunidades para se educar a respeito do que está adquirindo e ainda uma conexão emocional com a marca. Em muitos casos, precisa também funcionar como um hub de logística que permita acelerar o prazo e reduzir o custo de entrega.
Por tudo isso é que podemos observar cada vez mais indústrias optando por avançar para o varejo, criando redes de pontos de venda e interação exclusivos, monomarca, geralmente através da concessão de franquias, já que a própria natureza da franquia permite que a indústria exerça um controle muito maior sobre a forma como seus produtos são apresentados ao consumidor e como este interage com eles.
Basta olhar em volta e constatar que há cada vez mais marcas de produtos industrializados sendo comercializadas em pontos exclusivos, na maioria franqueados: Samsung, Havaianas, Bauducco, Hope Underwear, Lilica & Tigor, Nike e tantas outras.
Abramark – Ainda existe muito espaço para expansão no interior do Brasil? Esse é um tema recorrente em franquias, pois há muitas cidades, sem a cobertura de grandes redes ou marcas.
MC – Tenho dito que a pandemia não alterou a direção para onde o varejo seguia. O que a pandemia fez foi aumentar brutalmente a velocidade do percurso. Mudanças que, se tudo continuasse na normalidade, com certeza ocorreriam em 3, 5, 10, 15 anos, acabaram acontecendo em coisa de meses, semanas ou dias.
Uma dessas mudanças foi a maior integração, no varejo, entre os ambientes físico e digital, criando aquilo que se costuma chamar de negócios “figitais”. Outra mudança, facilitada e fortemente influenciada pela primeira, é a interiorização.
Até a pandemia, a maioria daqueles que quisessem trabalhar numa grande empresa ou ser prestadores de serviços de alto padrão precisaria morar em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em alguma outra metrópole. Com a pandemia, muitos desses trabalhadores se deram conta de que podem morar onde bem entenderem e continuar trabalhando para a mesma empresa, ou para uma empresa semelhante, ou seguir prestando serviços para os mesmos clientes, estejam estes onde estiverem. É claro que isso depende da política da empresa, da função que cada um exerce, do tipo de serviço e outras variáveis, mas, de forma geral, o trabalho remoto trouxe possibilidades que antes não existiam, ou até existiam, mas não eram sequer levadas em consideração.
Assim, muitos profissionais de alto nível vêm optando por viver em cidades menores, no campo ou na praia, onde a qualidade de vida é melhor, sem precisar alterar radicalmente a atividade profissional que desenvolvem. E, aos poucos, esses profissionais vão percebendo que há muitas oportunidades nas suas novas localidades, inclusive levar para elas as marcas costumavam consumir quando viviam nas grandes cidades.
Na minha visão, o que estamos vendo atualmente é apenas o início dessa tendência. Nos próximos anos, veremos cada vez mais marcas dos mais diversos ramos, que fazem sucesso nos grandes centros, expandindo suas redes de franquias para o interior e o litoral.
Abramark – Como as novas tecnologias têm ajudado lojistas, franqueados espalhados pelo País, a performarem melhor? Se puder, por favor, dê exemplos.
MC – A pandemia teve muitos efeitos negativos. Todos nós perdemos parentes, amigos, clientes e conhecidos. Aqui mesmo, na ABRAMARK, perdemos um colega muito querido, o Alex Periscinoto. Todos nós conhecemos vários casos de gente que sobreviveu ao vírus, mas carregou durante, ou ainda carrega, o peso de sequelas provocadas pelo maldito bichinho. Vimos muita gente boa ser obrigada a fechar seus negócios, vimos famílias mergulharem em dívidas e serem obrigadas a baixar drasticamente seu padrão de vida. E muitas desgraças mais.
Porém, a pandemia também trouxe alguns efeitos positivos. Aliás, eu costumo dizer que toda crise, seja de que natureza for ― pessoal, econômica, familiar, política, financeira, sanitária ― tem um efeito purificador, na medida que nos obriga a rever as próprias certezas e buscar formas melhores de fazer certas coisas. A fricção é que gera evolução. E, cá para nós, uma vida plácida, tranquila demais, não tem lá muita graça. Como já disse alguém, ninguém compra ingresso para andar numa montanha russa que seja plana.
Um dos vários efeitos positivos da pandemia foi, como eu disse acima, aumentar de forma brutal a velocidade de mudança, principalmente no que diz respeito à integração do físico e do digital, no ambiente dos negócios.
Consumidores se deram conta de que não precisam necessariamente ir a uma loja para comprar o que precisam ou desejam. E lojistas perceberam que não dependem de um ponto físico para servir seus clientes. No fundo, as duas categorias vêm aproveitando da integração físico+digital, muitas vezes sem sequer perceber.
Um exemplo: no caso de muitas marcas de produtos dos mais diversos tipos, de chocolates a cosméticos, de calçados a bebidas, se você entrar no site ou aplicativo da marca e fizer uma compra, é bem possível que o sistema por trás do website consulte automaticamente o estoque das duas ou três lojas da marca mais próximas a seu CEP e atribua a venda àquela que, além de próxima, tem o produto disponível. Essa loja é que fará a venda, emitirá a nota e fará a entrega no seu endereço, quase sempre em uma questão de horas (ou mesmo minutos), a um custo bem mais baixo do que seria incorrido, caso o item precisasse ser deslocado do estoque central da franqueadora até a sua casa. E todos ficam felizes.
Outro exemplo: posso apostar que você (ou alguém que você conhece) já recebeu ao menos um WhatsApp de algum vendedor de uma loja que costuma frequentar, oferecendo para mandar para sua casa uma “malinha” com os itens da última coleção que combinam com o seu perfil. Isso ocorre graças à integração entre o ERP e o CRM da franqueadora com o ERP da loja e o WhatsApp do vendedor, com o objetivo de fazer uma venda sem que você, o consumidor, precise pôr o pé na rua. E sem que você sequer se dê conta de tudo que acontece até a venda se concretizar.
Abramark – Que conselhos ou dicas deixa para os empreendedores que pensam em investir em uma franquia nos próximos meses?
MC – Muita coisa mudou com a pandemia. Mas nem tudo. Algumas coisas continuam as mesmas. E uma delas é que há boas franquias e franquias nem tão boas assim, franquias que se adequam ao seu perfil e outras que absolutamente não combinam com você, franquias que estão ao seu ou ao meu alcance e outras que não são para o nosso bico.
Portanto, meu conselho segue o mesmo: investigue, antes de investir.
Primeiramente, é importante que você faça uma autoanálise honesta, para valer, para definir que tipo de franquia melhor se adapta a seu jeito de ser, sua forma de ver o mundo e a vida, seus gostos, suas aptidões, sua estrutura familiar, sua capacidade de investimento, a geografia na qual você pretende implantar o negócio, etc.
Em seguida, busque identificar quais das franquias disponíveis melhor atendem todos esses pontos. Por último, analise bem as empresas e as pessoas que estão por trás de cada uma dessas franquias de seu interesse. Lembrando, inclusive, de conversar com o maior número possível de franqueados e ex-franqueados dessas marcas, para entender como foi e como é a experiência deles, como é a rotina deles no dia a dia tocando o negócio e se cada uma das marcas de fato entrega tudo aquilo que promete. É muito importante entender se, caso pudessem voltar no tempo, cada um deles voltaria a investir na mesma franquia e o que faria de forma diferente.
Para facilitar essa tarefa, a Franchise Store publicou um e-book que você pode baixar gratuitamente, chamado Dicas Práticas Para Quem Pretende Investir Numa Franquia, que você encontra neste link. Recomendo enfaticamente que você o baixe e leia, se tiver interesse em se tornar um franqueado.
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